segunda-feira, 17 de abril de 2017

Marabá - Gonçalves Dias

As primeiras penetrações no território do atual município de Marabá devem-se a Carlos Leitão, chefe político em Boa Vista, no Goiás. Vencido nas lutas políticas em que se envolvera resolveu procurar refúgio no vizinho estado do Pará. Desceu então o rio Tocantins em companhia de sua família de uma dezena de partidários fieis e foi se estabelecer a cerca de légua abaixo da foz do Itacaiúnas, numa elevação onde fundou uma colônia agrícola. 

Em 1895 os irmãos Antão e Hermínio Pimentel, tentando alcançar os campos gerais do Xingu, descobriram grandes cauchais nas margens do Itacaiúnas. Atraídos pela notícia da descoberta, goianos e maranhenses, em grande número para ali se deslocaram, dedicando-se à extração do caucho. Em 1897, Francisco Coelho da Silva, maranhense residente em Grajaú, acreditando poder enriquecer com o comércio do caucho, transferiu-se para a colônia, foi estabelecer-se na foz do Itacaiúnas.

À sua nova moradia deu o nome de Marabá, em lembrança de sua antiga casa comercial em Grajaú. Em pouco tempo surgiria um pequeno arraial, que se tornaria o ponto obrigatório dos caucheiros que subiam e desciam o rio e que constituiu o núcleo de onde se originou o município.



Marabá

Confesso que não entendia o conflito existente no poema "Marabá", do poeta Gonçalves Dias. O verbete Marabá é bastante divulgado por conta da obra e seus significados, mesmo sendo tantos, ficou em evidência o de "Filho da Mistura", mas, não é só esse o sentido, com base no poema e a partir dele vamos traçar algumas interpretações pessoais. Nos dicionários encontramos como: "mestiço de francês com índia" muito em voga no Rio de Janeiro (na época) ou de "filho de índio com branco mameluco". Vamos tentar entender um pouco sobre o que diz o poema, sobre conflito e a rejeição, não será uma análise literária, mas, será um trabalho interessante.
O texto literário apresenta as angústias de uma personagem, me ficou na memória a sua expressiva indagação: "Não sou de Tupã?" Eu não conseguia entender essa quase exclusão diante de um ser de imensa beleza. Tupã era o criador do Universo e a expressão é forte: "Não sou de Tupã? Mas, na cultura dos índios que cultuavam várias divindades, era uma manifestação superior na forma do som do trovão, sendo o mais próximo de Deus na imaginação dos catequizadores.
O poeta e indianista Gonçalves Dias, maranhense, constrói o personagem Marabá com muitos valores e qualidades físicas. Mas, que vive sozinha e rejeitada. Difícil sempre foi entender este desprezo de uma filha de Tupã, que não é procurada, "tem olhos garços da cor das safiras que imitam as nuvens de um céu anilado", lembrando que safira é uma pedra preciosa azul (mais comum). podendo ser também da cor rosa. Tais características físicas remete para uma índia modificada. "É alvo meu rosto da alvura dos lírios, da cor das areias batidas do mar. As aves mais brancas, as conchas mais puras não têm mais alvura, não têm mais brilhar". Essa moça branca de olhos azuis e cabelos loiros sente-se incompreendida. Mas, nas suas queixas há um interlocutor a ouvir-lhes as súplicas que, impiedosamente arremata: "Tu és Marabá!"
Ante um suspiro de amor, vem de imediato: "Quero antes o colo da ema orgulhosa, que pisa vaidosa, que as flóreas campinas governa, onde está, porque Tu és Marabá". Enfim, por que o poeta insiste em mostrar esse conflito? As razões pessoais eu não posso afirmar, no entanto, devemos levar em conta o contexto da história da colonização do Brasil, lembrando que, em outra postagem vou tratar de outro sentido da palavra Marabá. Por ora, vamos entrar no jogo do poeta. O termo Marabá foi aplicado para os filhos de índias com branco ou com índio de tribo inimiga. Também, o filho de coisa ruim, reprovada por eles, como por exemplo, os filhos nascidos com defeitos físicos ou gêmeos, sendo o primeiro normal e o segundo Marabá. 
Finalmente, Gonçalves Dias criou esta obra belíssima, de entendimento um pouco difícil para quem não se atreve a pesquisar. Tempera com romantismo uma bela e solitária índia, rejeitada por seu povo, sua raça. O poeta retrata um caso de preconceito dentro de uma das primeiras culturas do país, a indígena, contra a beleza de um outro ser. De agora em diante pensem nesta situação, o belo, talvez fruto de uma união com um europeu, o português, sendo rejeitado sem piedade, por que? Porque tu és Maraba!


Marabá


Eu vivo sozinha; ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupã?
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
– “Tu és,” me responde,
“Tu és Marabá!”

– Meus olhos são garços, são cor das safiras,
– Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
– Imitam as nuvens de um céu anilado,
– As cores imitam das vagas do mar!

Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
“Teus olhos são garços,”
Respondo anojado, mas és Marabá:
“Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
“Uns olhos fulgentes,
“Bem pretos, retintos, não cor d’anajá!”  

– É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
– Da cor das areias batidas do mar;
– As aves mais brancas, as conchas mais puras
– Não têm mais alvura, não têm mais brilhar. –

Se ainda me escuta meus agros delírios:
– “És alva de lírios”,
Sorrindo responde, mas és Marabá:
“Quero antes um rosto de jambo corado,
“Um rosto crestado
“Do sol do deserto, não flor de cajá.”

– Meu colo de leve se encurva engraçado,
– Como hástea pendente do cáctus em flor;
– Mimosa, indolente, resvalo no prado,  
– Como um soluçado suspiro de amor! –

“Eu amo a estatura flexível, ligeira,
Qual duma palmeira”,
Então me respondem; tu és Marabá:
Quero antes o colo da ema orgulhosa,
Que pisa vaidosa,
“Que as flóreas campinas governa, onde está”.

Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
– O oiro mais puro tem seu fulgor;
– As brisas nos bosques de os ver se enamoram,
– De os ver tão formosos como um beija-flor! 

– Mas eles respondem: “Teus longos cabelos,
São loiros, são belos,
Mas são anelados; tu és Marabá:
Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
Cabelos compridos,
Não cor d’oiro fino, nem cor d’anajá.”

E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d’acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:

Jamais um guerreiro da minha arazóia  
Me deprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha 
Que sou Marabá!

GONÇALVES DIAS. Marabá.
InPoemas. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1997, p. 138-140.

Imagens utilizadas:
http://leiovejoeescuto.blogspot.com.br/2014/05/antonio-parreiras-maraba.html

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